Ateu também deve orar

Que nós, seres humanos, aprendamos a mitigar a dor dos que padecem e a nos regozijar no júbilo dos que se alegram. Ou seremos tudo, menos Humanidade.

Fonte: Revista BOA VONTADE, edição 193, de setembro de 2004 | Atualizado em novembro de 2016.

A todos Vocês que me honram com a sua leitura, dedico-lhes esta página na qual desejo compartilhar a emoção de descobrir na Espiritualidade Superior as faustíssimas respostas para os mais profundos anseios de Paz que habitam a consciência humana daqueles que almejam a real libertação.

Amar é uma oração

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Tomás de Kempis

A Prece não é o refúgio dos covardes nem dos ociosos. Ela nos eleva, o trabalho nos realiza. O Papa reza, os budistas meditam, Chico Xavier (1910-2002) orava, os rabinos entoam suas súplicas, os evangélicos cantam seus louvores a Deus, os islâmicos recitam o Corão Sagrado... O que é a Prece senão o Amor que se dispõe para grandes feitos? Um irmão ateu, quando medita e pratica um ato que beneficia a coletividade, está orando. Em Crônicas e Entrevistas (2000), escrevi que orar e meditar se assemelham. Rezar não é uma ação simplesmente figurativa. É o mais forte instrumental que a essência humana, o Capital Divino, possui. O monge alemão Tomás de Kempis (1380-1471) grafou, em Imitação de Cristo"Sublime é a arte de conversar com Deus".

Para evitar o vômito das nações

Nestes tempos de mundialização, em que muitas fronteiras caem preferentemente sobre as cabeças das populações mais pobres, o povo procura um rumo seguro para a existência, regida por forças discrepantes. Nem sempre é o melhor de todos o destino que lhe oferecem. E a História se repete no somatório de enganos que podem desembocar num movimento incontrolável de massas. As nações também vomitam.

Buscam, então, alento para suas dores na violência ou no Invisível. No entanto, como diversos se acostumaram a uma visão restritiva do Poder Espiritual, muita vez erguem sua prece a um deus antropomórfico, que não lhes responde, pois nem existe. E aí se frustram.

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Karl Marx

Creio que até Marx (1818-1883) proferiria a oração, como poderosa ferramenta psíquica para o fortalecimento da mente e fator de estabilidade ante os dramas pessoais e familiares, que todos enfrentamos. Apesar da convicção de alguns, o criador do marxismo também era ser humano, a seu modo preocupado com os problemas sociais. Certamente, o polêmico autor de O Capital meditava acerca de seus ideais. Sabendo ou não, de certa forma orava.

A companheira fiel

A Mestra Dor é a conselheira fiel a falar àqueles que dela souberem tirar a lição que a existência distraída não é capaz de oferecer porque não conhece.

Eis, porém, que sempre surge no horizonte da amargura a mão estendida do Deus Divino, permanentemente disposto a levantar o caído que Lhe suplica socorro. Nessa hora, a criatura encontra Seu Criador, se assim for vontade dela, consoante o livre-arbítrio inviolável. Matéria e Espírito interagem e a solução inalcançável se mostra factível para o que tem Fé Realizante. Por que Fé Realizante?! Porque não basta ter Fé. É preciso torná-la ato concreto que favoreça o indivíduo e o seu coletivo. A isto se chama Solidariedade.

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Martinho Lutero

Muito a propósito, cabe aqui enriquecedora citação constante da abertura da obra literária Da Liberdade Cristã, de Martinho Lutero, traduzido pelo professor Leônidas Boutin, com o apoio dos reverendos pastores Heinz SobollRichard Wengan, da Comuna Evangélica de Curitiba/PR, em 1958. Por oportuno, incluí-a numa das páginas de meu livro Reflexões da Alma (2003), com o seguinte comentário:

“Um dos maiores questionamentos de boa parte daqueles que desejam a salvação espiritual é ‘O que mais agrada a Deus?’. O grande reformador Martinho Lutero (1483-1546) tem a resposta, citada pelo professor Leônidas Boutin: ‘ter Fé verdadeira e inabalável na Palavra de Deus, que está contida nas Sagradas Escrituras. E quem tem verdadeiramente Fé há de praticar Boas Obras, isto é, amará ao próximo, pois é impossível ter Fé sem praticar Boas Obras, que são, assim, decorrências naturais e inevitáveis dela’”.

Orar fortalece

Ao deitar-me, no amanhecer de um dia longínquo, como de costume elevei uma oração a Deus, na esperança filial de merecer Sua piedosa atenção. Ao abrir minha Alma ao Pai Celeste, senti Sua compassiva influência vibrando em meu Espírito. E não há nesta afirmativa qualquer jactância, porque Jesus nos ensina que “o Reino de Deus está dentro de nós” (Evangelho, segundo Lucas, 17:21).

Ah! Que excelso prazer é usufruirmos de uma gotinha que seja da Sua Caridade! É conforto seguro neste mundo de ardentes e contínuas batalhas. Desse indizível contentamento foi merecedora, por persistente e humilde, a Mãe suplicante que almejava a saúde perfeita para sua filhinha (Evangelho, segundo Mateus, 15:21 a 28).

A Mulher Cananeia

Ao procurar Jesus, a desvelada mãe, que era da região dos cananeus, perseverou firmemente no intento de conseguir socorro para a filha, que se achava perturbada.

Antes, porém, de ajudá-la, o Cristo quis pôr à prova a Fé que possuía.

Disse-lhe Ele: “Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”.

Ela, contudo, insistiu: “Sim, Senhor, porém os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos”.

Diante disso, Jesus afirmou: “Ó mulher, quão grande é a tua fé! Faça-se contigo conforme desejares. E, desde aquele momento, sua filha ficou curada”.

Tela: Jean Germain Drouais (1763-1788)

Título da obra: A mulher cananeia aos pés de Jesus.

Refiro-me a essa passagem da Mulher Cananeia, na Boa Nova do Cristo, consoante o primeiro Evangelista, para lembrar a necessidade do desprendimento e da paciência para a conquista das promessas do Altíssimo.

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Alziro Zarur 

Convém recordar essa declaração do saudoso jornalista, escritor e poeta Alziro Zarur (1914-1979), em dezembro de 1974, na cidade de Glorinha, Rio Grande do Sul, Brasil: “As coisas divinas requerem sacrifício”.

 

A Prece

Aos que também carpem as muitas lutas diárias, consagro esta conversa com Aquele que nos pode ouvir, mesmo quando arrogantes e pretensiosos:

Deus é o meu refúgio

Ó Deus, que sois o meu refúgio, a Vós, outra vez, ergo o meu pensamento e encontro resposta aos meus propósitos, amparo aos mais desafiantes projetos, porque jamais prostrarei a Vossa Bandeira, que preconiza: “(...) Paz na Terra aos de Boa Vontade” (Evangelho do Cristo, segundo Lucas, 2:14).

Longe de mim as cassandras do desânimo, que proclamam um Juízo Final sem remissão, quando sois Vós — em tudo — o Princípio Eterno da permanência pujante de vida. De Vós não escuto o abismo; todavia, deslumbro a redenção.

Creio no Amor Universal, que conduz à sobrevivência o gênero humano, que é teimoso em subsistir, apesar das muitas ciladas que lhe são dispostas no caminho.

Esta é a minha Fé Realizante, que vive em Paz com as outras; o meu ideal ecumênico de Boa Vontade, que se esforça pela confraternização de todas as nações, por serem formadas por criaturas Vossas, ó Criador Único de Céus e Terra! Sois a Fraternidade Suprema, o abrigo dos corações. (...) Achei-me a mim porque me identifiquei no Vosso Amor. Sois o auxílio conclusivo à minha Alma.

Sinto o meu ser transbordar de alegria. Em Vosso Espírito, reconheço-me como irmão dos meus irmãos em humanidade. Nesse Éden, que é o Vosso Sublime Afeto, não me vejo como expatriado, abatido pelas procelas do desalento, distante dos entes mais queridos. Enfim, me encontrei, ó Deus!, porque Vos encontrei.

Vós me esperáveis, há tanto tempo, e eu não sabia. Portanto, meu coração não vaga sem paradeiro: no Vosso Divino Seio, achei guarida; sob Vosso Amor, meu seguro teto; no Vosso Colo, descanso para a Alma.

Graças Vos dou, Pai Magnânimo, por me ouvirdes!

Hoje, compreendo que sois integralmente Amor, isto é, Caridade, Mãe e Pai da verdadeira Justiça.

Em Vós habita, com fartura, a genialidade pela qual tantos demandam, pois dela o planeta carece: a Vossa Majestosa Luz, que desce a nós indistintamente, mesmo que não a percebamos.

Confiante em Vosso Critério Sobrenatural, entrego-Vos meu destino, porque a minha segurança de filho está na Vossa Sabedoria de Pai!

Que assim seja!

Desta forma concluí a sentida prece. Nada melhor que falar com Deus, sobretudo nas horas em que espiritualmente nos devemos fortalecer, que afinal são todas elas. Quem não sofre neste orbe ou padece da privação de alguma coisa que as satisfações terrenas mais sofisticadas não suprem a falta? Busquemos na Fé a Esperança de que necessitamos para nossa sustentação espiritual, física e mental. Que Fé? Escolha a sua.

Ao terminar a minha oração, sentia em mim o bafejo da clemência de nosso Amabilíssimo Educador.

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Alexis Carrel

O notável cientista francês Alexis Carrel (1873-1944), Prêmio Nobel de Medicina em 1912, após exaustivo estudo, definiu: "A oração verdadeira é um modo de vida; a vida mais verdadeira é literalmente uma forma de oração".

Está certo o sábio Carrel. Qualquer libertação — que não faça do ser humano escravo — tem início na região do Espírito. Portanto, não haverá brado de Independência definitivo se, pela indispensável educação da mente e do coração, for, no Terceiro Milênio, esquecido que não há nação forte se os seus componentes não souberem o que fazem neste mundo. Voltaremos ao assunto.

 

José de Paiva Netto, escritor, jornalista, radialista, compositor e poeta. É presidente da Legião da Boa Vontade (LBV). Membro efetivo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da Associação Brasileira de Imprensa Internacional (ABI-Inter), é filiado à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), à International Federation of Journalists (IFJ), ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro, ao Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro, ao Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro e à União Brasileira de Compositores (UBC). Integra também a Academia de Letras do Brasil Central. É autor de referência internacional na defesa dos direitos humanos e na conceituação da causa da Cidadania e da Espiritualidade Ecumênicas, que, segundo ele, constituem “o berço dos mais generosos valores que nascem da Alma, a morada das emoções e do raciocínio iluminado pela intuição, a ambiência que abrange tudo o que transcende ao campo comum da matéria e provém da sensibilidade humana sublimada, a exemplo da Verdade, da Justiça, da Misericórdia, da Ética, da Honestidade, da Generosidade, do Amor Fraterno. Em suma, a constante matemática que harmoniza a equação da existência espiritual, moral, mental e humana. Ora, sem esse saber de que existimos em dois planos, portanto não unicamente no físico, fica difícil alcançarmos a Sociedade realmente Solidária Altruística Ecumênica, porque continuaremos a ignorar que o conhecimento da Espiritualidade Superior eleva o caráter das criaturas e, por conseguinte, o direciona à construção da Cidadania Planetária”.