Caro Anatole

Fonte: Jornal O Sul, edição de 12 de fevereiro de 2007, segunda-feira | Atualizado em janeiro de 2023.
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Anatole France

O velho Anatole France (1844-1924) foi um crítico implacável dos costumes e da sociedade do seu tempo. Combatia com tenacidade os desmandos de que era testemunha, como a farsa contra o capitão Alfred Dreyfus (1859-1935). De origem judaica, o militar francês tornou-se vítima de um dos maiores erros judiciais da história moderna. Ele foi, de maneira pérfida, acusado de passar informações secretas aos germânicos, as quais tinham caligrafia forçadamente semelhante à sua. Por esse motivo, foi exilado na Ilha do Diabo, situada na costa da Guiana Francesa. Os debates a respeito do caso arrastaram-se até o capitão ser totalmente inocentado, em 1906. Logo após, retornou ao exército, participando da Primeira Guerra Mundial, que se iniciou em 1914 e durou quatro anos. Foi promovido, em 1918, a tenente-coronel da reserva e, um ano depois, eleito oficial da Legião de Honra. A exemplo de Rui Barbosa (1849-1923), Émile Zola (1840-1902) foi igualmente um defensor extremado de Dreyfus. 

Consciências dedicadas à Paz

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Alfred Dreyfus

Estomagado com a frieza de sentimentos que percebia à sua volta, partindo de corações nos quais deveria habitar a concórdia, Anatole escreveu que “a paz universal se realizará um dia, não porque os homens se tornarão melhores (não é permitido esperá-lo), mas porque uma nova ordem de coisas, uma ciência nova, novas necessidades econômicas hão de impor-lhes o estado pacífico, assim como outrora as próprias condições da sua existência os punham e os mantinham no estado de guerra”.

Meu caro Jacques-Anatole-François Thibault (seu verdadeiro nome), com a sua consistente formação humanista — afastados, por sua conhecida veia poética, os desgostos que lhe causaram as observações de uma sociedade a gravitar em torno de uma exasperante egolatria —, seu brilhante Espírito Imortal haverá de entender que, para não se transformar em tormento perene dos povos, o mundo precisa de consciências dedicadas à Paz. Portanto, de Almas iluminadas pela Razão, pela Justiça, mas também pelo Amor, que é sinônimo de Caridade, de modo que exista uma “nova ordem de coisas, numa ciência nova”, para que “a paz universal” venha a se realizar “um dia”. A análise limitada dos fatos humanos, políticos e sociais pela restrita visão de Espaço-Tempo terrenos tende a mostrar, mesmo às mais sagazes cerebrações, uma perspectiva sociológica desfocada, consequentemente desalentadora, dos acontecimentos. Há algo mais, porém, a começar pela existência de uma Lei Universal, chamada de Causa e Efeito, que dirige os destinos da Terra. Por isso, faz-se tão importante a compreensão desses Estatutos Divinos, os quais, levando em conta nosso direito ao livre-arbítrio, concedem a cada um de acordo com o próprio merecimento, segundo a Lei da Reencarnação — definida por um respeitado sacerdote como “o Judiciário de Deus”. Sem a evolução do sentimento humano, toda e qualquer proposta de Paz fomentará, com certeza, o ceticismo de homens inteligentes como você.

Não temer o lobo

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William Ralph Inge, Santo Agostinho e Honoré de Balzac.

William Ralph Inge (1860-1954) declarou que “não adianta os cordeiros proclamarem o vegetarianismo enquanto o lobo mantém opinião diversa”. No entanto, não podemos prosseguir continuamente temendo essa expectativa castradora de nossas iniciativas, porque o tempo urge. Ainda existe muita gente a querer tocar fogo no planeta, tal qual nova Roma, como se outros Neros surgissem. Para avançar, é preciso não temer o lobo, mas revestir-se das armas da paciência e da determinação e fortalecer, nas horas de perigo, a Alma, como, por exemplo, nesta súplica de Santo Agostinho (354-430): “Ó Deus! Permiti que o resplendor da Vossa Luminosidade clareie os recônditos do meu coração” (...). Orar concede tranquilidade e força ao Espírito. Aclara a mente, de modo que conceba processos espirituais pragmáticos para que seja suplantada toda dificuldade. Anote, por favor, caro Anatole, esta lição do seu compatriota Honoré de Balzac (1799-1850), autor de A Comédia Humana“Todo poder é um composto de paciência e tempo”. A Paz só vigorará neste orbe quando o ser humano finalmente entender e aceitar que ela apenas poderá surgir do coração sublimado das criaturas. O restante é o que se tem visto: ideologias fortemente cerebrais, tão em voga no seu tempo, cuja consequência geral você conhece: muita expectativa e resultado a desejar. É, portanto, urgente unir cérebro e coração.

José de Paiva Netto, escritor, jornalista, radialista, compositor e poeta. É presidente da Legião da Boa Vontade (LBV). Membro efetivo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da Associação Brasileira de Imprensa Internacional (ABI-Inter), é filiado à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), à International Federation of Journalists (IFJ), ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro, ao Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro, ao Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro e à União Brasileira de Compositores (UBC). Integra também a Academia de Letras do Brasil Central. É autor de referência internacional na defesa dos direitos humanos e na conceituação da causa da Cidadania e da Espiritualidade Ecumênicas, que, segundo ele, constituem “o berço dos mais generosos valores que nascem da Alma, a morada das emoções e do raciocínio iluminado pela intuição, a ambiência que abrange tudo o que transcende ao campo comum da matéria e provém da sensibilidade humana sublimada, a exemplo da Verdade, da Justiça, da Misericórdia, da Ética, da Honestidade, da Generosidade, do Amor Fraterno. Em suma, a constante matemática que harmoniza a equação da existência espiritual, moral, mental e humana. Ora, sem esse saber de que existimos em dois planos, portanto não unicamente no físico, fica difícil alcançarmos a Sociedade realmente Solidária Altruística Ecumênica, porque continuaremos a ignorar que o conhecimento da Espiritualidade Superior eleva o caráter das criaturas e, por conseguinte, o direciona à construção da Cidadania Planetária”.