Paiva Netto: O despertar de uma missão

Leila Marco

O jornalista, radialista, compositor e escritor José Simões de Paiva Netto, diretor-presidente da Legião da Boa Vontade (LBV), dorme poucas horas e raramente tem tempo livre, porque sua dedicação à causa do Bem parece sem limites. Suas ações são voltadas para um único objetivo: beneficiar as pessoas e comunidades amparadas pelas Instituições da Boa Vontade (IBVs), as quais dirige. Os que são amparados, material e espiritualmente, são centenas de milhares.

Arlindo Filho
Paiva Netto em visita fraterna aos idosos amparados por um dos Lares para Melhor Idade, da LBV.

“O dia amanhece, e encontro-me realmente fatigado. Mas a paixão pela LBV me alimenta. Que Vocês também sejam assim, para que todos mereçamos o Amor do Mestre Jesus! É a única paixão que não consome o ser humano. A única! A minha Fé no Cristo de Deus nunca esmorece!”, afirmou certa vez o dirigente das IBVs, com sentimento de perseverança e de entrega a um ideal superior que comove e que inspira a agir, porque este, realmente, tem sido a razão de sua existência.

Além disso, ele tem imbuído em si muito forte o espírito de Fraternidade Universal, que vivencia desde muito jovem. Basta mencionar o episódio que o despertou para o trabalho na Seara da Boa Vontade, e produziu acontecimentos relevantes e inesquecíveis para seu coração, conforme se pode observar neste seguinte relato dele: “Amanhecia 29 de junho de 1956 — Dia de São Pedro e São Paulo. Era uma sexta-feira, e, como se estava no meio do ano, não fazia calor tão forte, o que era frequente no antigo Distrito Federal*¹. Nasci na cidade do Rio de Janeiro, em 2 de março de 1941. Com 15 anos, num gesto intuitivo, liguei meu aparelho de rádio. Estava no ar a Tamoio. Vivíamos os festejos juninos. Surpreso, ouvi os acordes de uma tradicional canção natalina: Noite Feliz!, de Joseph Möhr (1792-1848) e Franz Grüber (1787-1863). Virei-me para minha saudosa mãe, Idalina Cecília de Paiva (1913-1994), e exclamei: ‘Mãe, que coisa interessante! Música de Natal em junho?!’”. Ao referir-se a essa novidade, o dirigente da LBV quer destacar o pioneirismo do saudoso fundador da Instituição, o jornalista, radialista e poeta Alziro Zarur (1914-1979), quando este usa tão inovadora estratégia de marketing para difundir o Natal Permanente da LBV — “O Natal diário, para socorrer a fome do povo, que é diária”, conforme afirmava Zarur.

Somos Espírito Eterno

Além de provocarem enlevo pela sagacidade de Zarur ao propagar a mensagem da LBV, as declarações seguintes dele, quando leu a passagem da Boa Nova de Jesus em que os Anjos anunciam o nascimento do Mestre dos milênios, operariam uma transformação definitiva na existência de Paiva Netto. “A Rádio Tamoio veiculava, naquela hora, o programa Campanha da Boa Vontade. E logo vibrou a palavra de Alziro Zarur. Esse fato mudou a minha vida, tal qual a de tantos outros que aguardavam algo que lhes falasse o que precisavam ouvir a respeito de Quem, no dizer de João Batista, nem somos merecedores ‘de limpar-Lhe o pó das sandálias’: Jesus (Evangelho, segundo Marcos, 1:7)! Zarur entoava o ‘Glória a Deus nas Alturas, Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade!’ (Evangelho, segundo Lucas, 2:14)”, relembra.

Vivian R. Ferreira

Paiva Netto durante as celebrações dos 25 anos do Templo da Boa Vontade, comemorado na Praça da Paz, em Brasília/DF.

Imantado pela mesma emoção que o entusiasmou à época, o líder da LBV acrescenta: “Naquela hora, como que um raio desceu sobre mim, mas não me fulminou. Pelo contrário. Percebi que não sou apenas um produto da carne, posto que certa mentalidade por aí faz alguns pensarem que este mundo seja um açougue. Tenho Espírito. Não em resultado de combinações químicas cerebrais, porquanto a inteligência se situa além do corpo, como que havendo uma mente psíquica fora do cérebro somático. (...) A partir daquele momento, o que foi despertado em mim não poderia surgir de um pedaço de matéria que um dia se transformará na rebelião famélica dos vermes. Ah! Somos alguma coisa bem superior, que sintoniza as estrelas! É essencial ter, portanto, em nós um diapasão que ressoe na grandeza de sua melodia”.

O sonoro nome do fundador da LBV trouxe-lhe à mente uma reminiscência. “Em minha memória surgiu, então, cena de três anos antes (1953): das mãos de uma bela senhora negra, que divulgava a Legião da Boa Vontade debaixo de um sol escaldante, na zona norte da Cidade Maravilhosa, recebi um opúsculo editado pela LBV. Sensibilizado, retribuí-lhe com um copo d’água. Na publicação, de excelente conteúdo, estava descrito o ideal que eu almejava desde mais novo”, ressalta.

Absoluta decisão no Bem

Arquivo BV
Alziro Zarur lança o Jornal de Deus. Ao lado, seu incansável secretário, Paiva Netto.

Voltando a 1956, Paiva Netto ficou tão encantado com a pregação da Fraternidade Real, que tomou corajosa resolução naquele 29 de junho. Ele conta: “Determinado, depois de encontrar o primeiro movimento inter-religioso promovido pela Cruzada de Religiões Irmanadas*2, virei-me para minha saudosa mãe e, decidido, sentenciei: ‘Mãe, é com esse que eu vou!’. O ideal, que tinha mudado minha vida, não poderia ser esquecido ou guardado”.

Na opinião do líder da Legião da Boa Vontade, todos precisavam conhecer a força daquela mensagem de Paz. “Por isso, no mesmo dia, saí, guiando minha bicicleta, para expandir esse trabalho de Boa Vontade, que tocou meu coração, e, ainda, pedir donativos para a LBV. Passei, a partir desse instante, a colaborar voluntariamente para a Entidade, realizando campanhas para a aquisição da antiga Rádio Mundial — que se tornaria a Emissora da Boa Vontade, de 1956 a 1966 — e para auxiliar o Natal Permanente da LBV, que presta socorro diário ao povo em vulnerabilidade social”, enfatiza.

Nessa lide, Paiva Netto foi muitas vezes à Sede Central da Instituição, àquela época situada na Rua do Acre, 47, no Rio de Janeiro/RJ. Em uma dessas ocasiões, o estabelecimento estava bastante agitado, pois se preparava a mudança deste para um novo local, próprio e com instalações mais amplas. O imóvel foi adquirido em 1º de maio de 1956 e ficava na Avenida Rio Branco, 43, 3º andar, no centro da capital fluminense (em 1984, a sede seria transferida para São Paulo/SP, onde está até hoje). Ele chegou a ver, em algumas oportunidades, o fundador da LBV, mas, pelas circunstâncias, não quis importuná-lo.

Velha amizade

Em 28 de junho de 1957, determinado a conhecer Alziro Zarur, foi ao orfanato onde este residia quando era solteiro, acompanhado de sua irmã, Lícia Margarida de Paiva (1942-2010). “Naquele tempo, apesar de minha vocação para a Medicina, decidi dedicar-me a uma jornada espiritual ao lado de Zarur, com quem falei pessoalmente pela primeira vez na Casa de Luciá, um orfanato para meninas, no bairro carioca do Lins, que foi fundado e dirigido por uma dedicada portuguesa, a saudosa dona Rosa Leomil, revela.

Arquivo BV

Casa de Luciá, local onde Paiva Netto falou pela primeira vez pessoalmente com Alziro Zarur, no bairro carioca de Lins de Vasconcelos, em 28/6/1957.

Quando Paiva Netto bateu no portão da casa, às oito da noite, veio um jovem atender. Depois de ele anunciar que desejava falar com o senhor Alziro Zarur, o porteiro não queria deixá-lo entrar, porque, segundo este, o fundador da LBV estava descansando. Porém, o futuro líder da Instituição, destemido, colocando o pé no pesadíssimo portão de ferro para que o jovem não o fechasse, insistiu em que este os anunciasse a Zarur. Meio a contragosto, lá foi o rapaz dar o recado. Minutos depois, este voltou e disse que Zarur os receberia. Surgindo numa pequena sacada, Alziro Zarur virou-se para Paiva Netto e, numa impressionante ligação de afinidade espiritual, exclamou, conforme narra o diretor-presidente da LBV: “Zarur disse-me, de surpresa: ‘Ô rapaz, até que enfim apareceste. Há quanto tempo eu estava te esperando!’”.

Arquivo pessoal

No dia 14 de junho de 1963, em meio aos Legionários veteranos no gabinete da Presidência da antiga Rádio Mundial, naquela época a Emissora da Boa Vontade, o dr. Mario da Cruz (1925-2012) — de óculos, à esquerda — e o dr. Osmar Carvalho e Silva (1912-1975) — à direita —,  que dialogam com o fundador da LBV, Alziro Zarur (19141979). Destaca-se o jovem José de Paiva Netto, sempre atento aos rumos da Instituição.

Desde então, Paiva Netto passa a colaborar ativamente para o trabalho da LBV e torna-se o principal assessor de Zarur. Mais que isso, foi um amigo fiel, para além das quase duas décadas e meia seguintes “e mesmo após o falecimento do seu corpo, porque o Espírito continua vivo, visto que os mortos não morrem”, conforme destaca o dirigente da Instituição.

Pensando em tudo o que ocorreu depois daquele encontro, Paiva Netto observa: “Nesse período, fui crescendo até ser alçado à posição de secretário-geral da LBV (cargo equivalente ao de vice-presidente), que ocupava quando do seu passamento, a 21 de outubro de 1979”. Assim, sucedeu o fundador da Legião da Boa Vontade, numa trajetória assinalada por grandes desafios e profunda devoção ao seu ministério.

A partir daí, Paiva Netto liderou a Legião da Boa Vontade rumo a um progresso vertiginoso, fato marcante de um Espírito prático e realizador. Como Zarur não teve tempo hábil, em vida material, para concretizar muitos dos ideais que tinha, coube ao fiel sucessor dele, Paiva Netto, aprofundar o vanguardeiro conteúdo doutrinário espiritual. Comandando crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, Paiva Netto consolidou e desenvolveu, com brilhantismo, a missão legionária no Brasil e no exterior e extraordinariamente expandiu, nos corações e nas mentes, o Amor Fraterno de Jesus.

É dessa determinação e Fé redobrada que tira energia para presidir as Instituições da Boa Vontade e encontra espaço em uma agenda apertada para atuar como comunicador, compositor, jornalista e escritor. Em todas as facetas de seu grande talento, ele leva o maior ensinamento do Cristo Ecumênico, o Divino Estadista: o Seu Mandamento Novo“Amai-vos como Eu vos amei. Somente assim podereis ser reconhecidos como meus discípulos (...). Não há maior Amor do que doar a própria Vida pelos seus amigos” (Evangelho, segundo João, 13:34 e 35 e 15:13).

Por tudo isso, destacamos, dentro das celebrações dos 61 anos de trabalho de Paiva Netto na Seara da Boa Vontade de Deus, este trecho constante da edição histórica da revista BOA VONTADE, que traz alguns dos fatos marcantes dessa trajetória vitoriosa. 

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*1 Antigo Distrito Federal — Criado pela Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1891, correspondia à atual localização do munícipio do Rio de Janeiro/RJ. Em 21 de abril de 1960, foi transferido para Brasília/DF.
*² Cruzada de Religiões Irmanadas — Alziro Zarur (1914-1979), saudoso fundador da Legião da Boa Vontade, criou e presidiu a pioneira Cruzada de Religiões Irmanadas, cuja primeira edição oficialmente ocorreu em 7 de janeiro de 1950, no salão do Conselho da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), na capital fluminense, após sucessivas reuniões preparatórias realizadas no mesmo local, nos meses de outubro, novembro e dezembro de 1949, na sala da diretoria daquela prestigiada Associação. Com esse feito, Zarur antecipou-se ao que mais tarde viria a ser chamado de relacionamento inter-religioso. Em 7 de outubro de 1973, proclamou a Religião de Deus, do Cristo e do Espírito Santo, em Maringá/PR, Brasil.