O pior inimigo

Chico Xavier
Enquanto muitos aguardam satanás na figura de um monstro terrível, ou até apontam seres humanos de destaque internacional, ou nações, como sendo a própria encarnação do demônio, o “Maligno” vai, de forma sub-reptícia, utilizando armas bem mais sutis do que o tridente. Sobre a mais cruel de todas elas nos fala Neio Lúcio, na psicografia de Francisco Cândido Xavier (1910-2002), em “O pior inimigo”*:

Neio Lúcio
Um homem, admirável pelas qualidades de trabalho e também pelas formosas virtudes do caráter, foi visto pelos inimigos da humanidade que conhecemos por Ignorância, Calúnia, Maldade, Discórdia, Vaidade, Preguiça e Desânimo, os quais tramaram, entre si, liquidar aquele homem, levando-o à derrota definitiva.
O honrado trabalhador vivia feliz, entre companheiros e familiares, cultivando o campo e rendendo graças ao Senhor Supremo pelas alegrias que desfrutava no contentamento de ser útil. Então, a ignorância começou a cogitar da perseguição, apresentando-o ao povo como um mau observador das obrigações da religião: Insulava-se [ele se fechava] no trato da terra, cheio de ambições desmedidas para enriquecer à custa do alheio suor. Na verdade, não tinha fé, nem respeitava os bons costumes.
O lavrador recebeu as notícias do adversário que operava, de longe, sorriu calmamente e falou com toda a sinceridade: “A Ignorância está desculpada”.
Surgiu, então, a Calúnia e o denunciou às autoridades como espião: “Aquele homem vivia quase sozinho para melhor se comunicar com a vasta quadrilha”. O serviço policial tratou de fazer averiguações minuciosas e, ao término do inquérito vexatório, a vítima afirmou sem ódio: “A Calúnia, coitada, estava enganada”. E passou a trabalhar com dobrado valor moral.
Logo depois, veio a Maldade, que o atacou de mais perto. Principiou a ofensiva incendiando-lhe o campo. E destruiu-lhe milharais enormes, prejudicou-lhe a vinha, e poluiu-lhe as fontes. Todavia, o operário incansável, reconstruindo para o futuro, respondeu, serenamente: “Graças a Deus que, contra as sombras do mal, eu tenho a luz do Bem”.
Reconhecendo os perseguidores que haviam encontrado um homem robusto na fé, deram instruções à Discórdia, que passou a assediá-lo dentro da sua própria casa. Provocações o cercaram de todos os lados e, a breve tempo, irmãos e amigos da véspera o condenaram ao abandono.
O servo vigilante, dessa vez, sofreu muito, mas ergueu os olhos para o céu e falou: “Ah, meu Deus e meu Senhor, estou sozinho! Entretanto, continuarei agindo e servindo a todos em Teu nome. A Discórdia está desculpada e será por mim esquecida”.
Apareceu, então, a Vaidade, que o procurou nos aposentos particulares, afirmando: “És um grande herói! Venceste aflições, grandes batalhas. Serás apontado à multidão na auréola dos justos e dos santos”. Mas o trabalhador, humilde e sincero, repeliu a Vaidade imperturbável: “Quem sou eu?! Sou apenas um átomo que respira. Dona Vaidade, toda a glória pertence a Deus”! A Vaidade se ausentou contrariada, com grande desapontamento.
Então, entrou a Preguiça com seu jogo e, acariciando-lhe a fronte com mãos suaves, afiançou: “Meu filho, para que tanto sacrifício?! Vamos repousar?... Estás perdendo os melhores anos da tua vida! Vamos repousar...” Contudo, vigilante, o lavrador replicou, sem hesitar: “Não, Dona Preguiça, meu dever é o de servir em benefício de todos, até o fim da luta”.
Afastando-se a Preguiça derrotada, compareceu o Desânimo. Não atacou nem de longe nem de perto. Não se sentou na poltrona para conversar nem lhe cochichou coisa alguma ao ouvido. Tratou de entrar no coração do operoso lavrador e, depois de se instalar bem lá dentro, começou a perguntar: “Esforçar-se para quê? Servir por quê? Então não vê que o mundo está repleto de colaboradores mais competentes? Que razão justifica tamanha luta? Quem o mandou nascer nesse corpo não foi o próprio Deus? Então, não será melhor deixar tudo por conta Dele? O que é que está esperando? Sabe, acaso, o objetivo da vida? Apesar de tanto trabalho todos estão contra você!... Tudo é inútil... Não se lembra de que a morte destruirá tudo?”
O homem valoroso e forte, que tinha vencido tantas batalhas, começou a ouvir as perguntas do Desânimo, deitou-se um pouco e passou cem anos sem se levantar...
_____________________
* “O pior inimigo” — Essa página, de autoria de Neio Lúcio (Espírito), está publicada no livro Alvorada Cristã.
Os comentários não representam a opinião deste site e são de responsabilidade exclusiva de seus autores. É negada a inserção de materiais impróprios que violem a moral, os bons costumes e/ou os direitos de terceiros. Saiba mais em Perguntas frequentes.
Brasil
Brasil